domingo, 22 de fevereiro de 2015

Bate papo com Silvia Reis

Bate papo com Silvia Reis



A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Olhando para o trabalho dela fica realmente difícil responder essa pergunta, tanto que a apelidei carinhosamente de câmera girl, ela não precisa de câmera, ela é uma. Adora desenhar ateus famosos. O mundo da arte no Brasil não é fácil, imaginem para uma ateia declarada. Hoje Silvia Reis não está fazendo seus traços, sim deixando o seu traço aqui, em um bate papo com a gente. 

Entre as perguntas, exponho alguns retratos de ateus famosos, gentilmente cedidos por Silvia, só uma palhinha do que vocês irão encontrar em seu blog. 



Bruna - Silvia, ateia desde sempre ? Ou como a maioria dos brasileiros, já esteve em modo "zumbi" ? Seguiu alguma igreja ? 

Silvia - Sempre fui ateia, mas não sabia. Minha mãe é católica e me obrigava a frequentar a igreja. Eu tinha sentimentos conflitantes.
Aprendi que tinha de amar a Deus sobre todas as coisas, mas eu não amava porque eu achava aquele deus muito mau. Intuitivamente, eu sabia que se falasse isso, as pessoas ficariam escandalizadas e aumentaria mais ainda meu sentimento de inferioridade em relação aos crentes. Mas eu queria achar aquele deus que me diziam que era bom; queria experimentar aquele sentimento que as 
pessoas expressavam nos olhos ao falar de Deus. Mas eu só conseguia achar que eu não era normal. 


Bruna - O que fez você abraçar o ateísmo ? 

Silvia - Depois que me tornei independente, ainda buscava pelo deus bom do qual todo mundo falava. Frequentei centros espíritas, entrei para a Ordem Rosa Cruz, depois para a Gnose, Logosofia e lia tudo sobre ocultismo, mas percebi que em todas essas "doutrinas", Deus estava fora de questão e a grande revelação dos mistérios que me faria ascender a um grau elevado de conhecimento, estava sempre num futuro distante. Desconfiei que ninguém sabia nada que não tivesse sido contado em algum momento da história. 
Todas as pessoas que se diziam graduadas na doutrina que pregava, ou que me diziam saber algo sobre a minha vida que eu não sabia, tinham os mesmos problemas que todo mundo. Elas se propunham a resolver o problema dos 
outros, mas não conseguiam resolver os seus próprios. Diante de tantas versões contraditórias da divindade Deus, percebi que só a Bíblia era a fonte de conhecimento do deus "Deus". Era a única referência que se tinha 
para conhecer as características verdadeiras de Deus, até que, depois de ler o livro sagrado, certa de que jamais amaria aquele deus, conclui que o deus bom que eu procurava só existia na cabeça das outras pessoas. Comecei a observar, quando conversava com pessoas que eram absolutamente comuns, sensatas e responsáveis com sua família, seu trabalho, que na hora que falavam sobre Deus, elas se transformavam: falavam de milagres, de anjos e demônios com uma propriedade incrível. Pareciam perder completamente a noção da realidade. Notei que elas mentiam com a maior naturalidade e se 
mostravam severamente ofendidas caso alguém lhes mostrasse as 
incoerências do que afirmavam. Transformavam aquele deus hediondo num banqueiro bonzinho que atendia os pedidos mesquinhos de seus clientes sem o menor pudor. Bom, pensei, não quero fazer parte da seleta clientela desse "Deus". E não me interessa mais saber se ele existiu ou não, eu não o amo, porque mesmo que esse "Deus", ou outro qualquer, aparecesse na minha frente me mandando matar outra pessoa, eu não o obedeceria. 

Angelina Jolie

Bruna - Dentre seus trabalhos, se destaca os retratos de ateus famosos. O que te levou a fazer esses trabalhos ? Seria como uma homenagem ? 

Silvia - Sim. Assim demonstro minha admiração por eles e ao mesmo tempo procuro enfatizar que as pessoas que se declaram ateias, são pessoas comuns e podem ser brilhantes no que fazem como qualquer outra pessoa. 


Bruna - O seu ateísmo de alguma forma atrapalha o seu trabalho? Ou até mesmo a divulgação dele? 

Silvia - Não posso chamar de trabalho, porque não me considero profissional. Eu diria que o ateísmo me trouxe muitos problemas sérios, perdas irreparáveis, sendo que a rejeição do público à minha arte pelo fato de eu ser ateia, está entre os menores. Por outro lado, encontrei pessoas maravilhosas, como o 
pessoal da ARCA, Associação Racionalista de Céticos e Ateus, que vem fazendo um belo trabalho de divulgação do ceticismo, pelo qual eu tenho muito respeito e admiração. 

Bruce Willis


Bruna - A meu ver, educação é tudo, digo a educação de qualidade. Para mim, a má qualidade da educação é um dos fatores que faz as religiões avançarem no Brasil. Você como uma criadora, uma artista, como você vê a educação hoje no Brasil ? Qual a importância da arte na educação ? 

Silvia - O que vejo acontecendo no Brasil, é que a Educação está sendo substituída pela evangelização. Uma luta desleal dos cristãos para o impedimento dos avanços da ciência, da tecnologia e um esforço bárbaro para evitar que se propague os meios que promovem o bem-estar da sociedade. Incentivam o preconceito, a discriminação e pregam o ódio aos cidadãos pacíficos que não querem participar do projeto de cristianização da população. Nas escolas e nas universidades, profissionais competentes estão sendo substituídos por "cristãos" indicados com objetivo claro de doutrinar os alunos e levá-los ao cristianismo. Isso pode ser comparado à mais repugnante forma de regime 
autoritário, pois mesmo que não existisse nenhuma brecha na nossa Constituição para permitir o ensino religioso nas escolas, os cristãos o fariam assim mesmo, pois são desonestos e não respeitam nada nem ninguém para alcançar seus objetivos.  Basta verificar o trabalho que estão fazendo. Temos um 
projeto de lei que obriga o ensino do criacionismo nas escolas públicas. Isso significa um retrocesso tão grande para a Educação brasileira, que é preciso muita irresponsabilidade e total falta de dignidade de um parlamentar para aprovar uma lei como essa. As autoridades responsáveis pela Educação, não querem acadêmicos; querem soldados prontos para defenderem seus interesses e para isso, têm o poder judiciário como aliado que vai proteger suas ações com parcialidade, mostrando ao povo que do judiciário restou só o poder. 
A arte é uma forma de expressão e, como tal, tem sua linguagem e sua 
história. Ao meu ver, a arte contribui para a formação da personalidade, 
estimula a inteligência e favorece a descoberta de mundos diversos o que contribui para o apuramento do próprio gosto. 
Na minha visão do cenário brasileiro descrita acima, a arte não é considerada essencial para a educação. É colocada para o aluno como uma espécie de recreação, sem fins a serem alcançados. Mas não sou educadora, então, não estou por dentro das leis que normatizam a Educação e sobre ela, acompanho somente as matérias que falam sobre a violação da laicidade do Estado. 


Antônio Banderas

Bruna - Nos fale um pouco do seu projeto, o Aprendendo a ver. 

Silvia - Trata-se de aulas de desenho com método que estimula o aluno a ver o modelo a ser desenhado de uma perspectiva realista, sem interpretações. 
A ideia desse projeto surgiu de um fato ocorrido entre mim e uma amiga. 
Nós voltávamos de um workshop sobre "Como Desenhar Com o Lado Direito do Cérebro" onde foi dado um desenho para ser copiado usando os ensinamentos que haviam sido passados.  Minha amiga não conseguiu terminar o desenho. Quando chegamos à minha casa, eu disse a ela: "Agora você vai terminar". Desanimada, ela retomou o desenho e eu fui dizendo o que ela deveria observar. Quando ela terminou, olhou para o desenho e seus olhos lacrimejaram. Estava emocionada e disse: 
"Também! com a mestra pra me ensinar a ver!". Naquele momento eu percebi que o problema dela não estava em riscar, mas em ver corretamente o que deveria ser riscado. A partir daí, elaborei uma aula que estimula o aluno a ver os detalhes de um modelo com precisão. O objetivo é desmistificar a arte para que o indivíduo possa gozar dos benefícios que ela traz para seu desenvolvimento pessoal. 


Bruna - Conheço pessoas que dizem que a Igreja (católica) ajudou a arte no Brasil, o que você pensa sobre isso? Ajudou ou atrapalhou? 

Silvia - Eu diria que a Igreja influenciou a arte no Brasil desde os seus primeiros passos. A arte era um instrumento do ensino religioso. As pinturas nas igrejas retratavam passagens bíblicas que transmitiam a doutrina cristã. Nos pequenos vilarejos, como nas grandes capitais, os prédios das igrejas ocupavam um lugar estratégico com sua antisséptica presença. Geralmente 
eram fortificados no topo das colinas para impor sua excelência sobre todas as construções. Tanto na arquitetura, na escultura, como na pintura, temos uma arte fortemente marcada pela religiosidade propagada pela Igreja Católica. Não posso dizer se ajudou, no que ajudou ou como ajudou, pois 
não tenho conhecimento de outro modelo que deu início ao desenvolvimento artístico no Brasil para fazer uma comparação, mas não é difícil supor que o controle que a Igreja exercia sobre a arte e a Educação pode ter sufocado muitos artistas que se recusavam a colaborar com a sacralização da arte. 


Bruna - Ativismo ateísta, como feito pela Atea, você apoia ? E quanto ao ativismo feito por páginas do Facebook, o que você pensa a respeito ?

Silvia - Eu apoio toda militância ateísta. Isso não quer dizer que eu ache válida a maneira como alguns ativistas se manifestam. A crítica exagerada às religiões e ridicularização dos religiosos são apenas diversão para alguns ateus do Facebook que desse modo fazem seu ativismo, e confesso que também já dei boas risadas com seus posts. Mas tem também grupos que levam bastante a sério suas regras para postagem. Os ateus não são um grupo homogêneo, por isso, dentro do universo ateu, a gente vai encontrar de tudo, todo tipo de pessoa. Talvez cada um tenha um papel diferente e as diversas formas de divulgar o ateísmo acabem todas trazendo bons resultados para o movimento contra o preconceito e a discriminação do ateu.  


Jack Nicholson 

Bruna - Conheço alguns ateus que estão começando seus traços no desenho, qual a dica que você dá para eles? 

Silvia - Tenham paciência com vocês mesmos e não desistam antes de chegar aonde desejam.


Bruna - O que você acha dos traços japoneses, os mangas, que estão fazendo um certo sucesso no Brasil?

Silvia - Acho um desenho bonito, mas muito cansativo. Seus traços faciais são todos iguais . O desenhista se restringe a caracterizar uma personagem pelo cabelo e pela roupagem. Acho difícil que um personagem se destaque sem ter um rosto próprio. 


Bruna - Deixe sua mensagem para o pessoal.

Silvia - Agradeço imensamente a você Bruna, pela entrevista e se minhas palavras contribuíram para levar esclarecimento aos leitores sobre a militância ateísta, gostaria que deixassem aqui seus comentários. 


Convido a todos os leitores a conhecer o trabalho maravilhoso dessa ateia. Sofremos um grande preconceito e se nós não nos apoiarmos, ninguém o fará. 

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